20080428

#70

estou aqui sentada há horas e estão a doer-me as costas e a garganta – devia ter arrumado a casa, a roupa, o lava louça, em vez de andar na cidade a olhar para as pessoas e para as coisas, ouvi-las falar
mas não. cheguei fiquei só aqui , a ler e a pensar e como pensar muito faz mal pensei em escrever,
só porque dantes escrevia muito mais, sobre quase sempre a mesma coisa, um qualquer aperto com uma simbologia e vocabulário muito próprios, uma linguagem que deixei de usar inequivocamente . idade, coisas que se vivem
talvez tenha deixado de acreditar em muitas coisas ,começado a acreditar noutras, frieza que surgiu espontaneamente com o passar dos anos, os eruditos chama-lhe pragmatismo. também lhe poderia chamar isso, porque gosto de palavras que não se sabe logo o que significa, se é bom ou mau.
já quase não leio poesia como dantes. não me comovo com letras deprimentes , vejo o mundo a cores . se calhar é porque deixei de estar triste por tudo e por nada.
não olho muito ao espelho, a maior parte das vezes não me interessa se a cor das calças combina com a risca amarela dos ténis, e acho quase sempre que o cabelo está bem.
dantes tinha medo de estar só – entre todos os significados que estar só possa ter. subitamente, prefiro a ausência de som à permanência de barulho – alguém sabe o que é sentir-se sozinho no meio da multidão? aprende-se a ouvir os sinais do corpo.
e o corpo pede respeito,
pede reconhecimento da dor e da paixão quando há, quando não há pede o reconhecimento do erro de percurso – ainda não lido bem com os erros, puno-me inconscientemente, como se estivesse na busca incessante da perfeição.
irónico, porque já percebi que a perfeição absoluta não existe,
perfeitos são, sim, os momentos em que não aguardo mais felicidade, este momento em que estou sentada no sofá sem esperar nada em troca – ou tudo
sem ler poesia para justificar a vontade de voar depressa, por ser um dos raros momentos em que sei o que desejo.
e o som entra devagar pelos ouvidos e faz-me sorrir – nem que seja só pelo coração a rebentar pelo peito quando leio a palavra: [...].

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