ha uns dias regressei a casa, de setúbal, pela arrábida. não sei muito bem se foi por hábito ou por necessidade [ou se uma coisa leva à outra], mas fiz o desvio.
fiz aquela estrada que conheço como a palma da minha mão como se a estivesse a fazer pela primeira vez. e talvez por causa da música que tocava no rádio, o it’s a fire dos portishead, chorei desalmadamente quando olhei para o verde que rebenta no mar. estava um céu estrondosamente azul. o calor atípico de março o cheiro o carro deslizou como se o motor fosse o caminho, tudo esplendoroso e vivo
este espaço, esta terra. com os olhos marejados de lágrimas, um sorriso estranho no rosto, fui com o braço livre estendido o tempo todo, a mão bem aberta como se quisesse agarrar o ar que aquelas árvores respiram, as raposas, a areia da praia que me conhece melhor que qualquer pessoa que alguma vez encontrarei.
hoje quero partir mais do que nunca. não estou triste. não estou nostálgica. sinto-me só cansada.
dos telejornais, dos jornais, das notícias que me chegam diariamente , e da passividade reivindicativa com que as pessoas da minha terra lidam com os problemas. aqui não conheço efectivamente ninguém que tente solucionar problemas. vejo pessoas a acinzentarem o seu próprio dia-a-dia, a tentarem convencer-se a elas mesmas e aos outros que está tudo bem. a sobreviver.
conheço gente rica, gente cujas prioridades são ridiculamente obscenas, cujos interesses passam apenas e somente pela auto-satisfação e pelo auto-enriquecimento – não que isto seja condenável de todo. Interesses estes englobados na esfera da ostentação e da fachada, o querer ser melhor para parecer melhor e para olhar o mundo de cima. multidão que sobrevive.
conheço gente mediana, que luta diariamente numa corrida casa-trabalho-casa, que deixou de olhar em volta há muito, que tem mais que pensar, que sonha todas as noites na almofada poder ter coisas e fazer coisas que a gente rica supracitada tem. E só por isto o facto de lutarem não os faz melhores pessoas, apenas mais uns quantos na multidão que sobrevive.
conheço pessoas que vivem abaixo das possibilidades, pessoas desconhecidas, que não têm nem podem ter um papel na sociedade que as rodeia, e que a sociedade ignorou como se fossem apenas mais um pedaço de multidão que sobrevive.
conheço anarcas que são pedaços de todas as pessoas, que vivem à custa da sociedade que tanto contrariam. sobrevivem também, e enojam-me porque não o admitem.
esta é a sociedade que conheço. a maioria. isto é portugal. só isto. não nos tentemos convencer que as lutas e as manifestações que vemos hoje nos telejornais e nos jornais e nas notícias são feitas por pessoas diferentes.
porque estas pessoas que pensamos por momentos que são diferentes serão iguais se subornados, porque todas aspiram ao conforto de ter as vontades feitas, para poderem ir passar férias a punta cana em abril.
Abril está aí. e temos de nos reinventar, de reconstruir esta mentalidade sem capacidade para resolver problemas reais, sem consciência social, civil e sem assumir que erros somos nós que cometemos todos os dias . sem noção do que realmente se passa. ninguém vai melhorar por nós. não basta estar contra e dizer que tudo está mal, porque todos estamos mal. não vai aparecer um sebastião no parlamento com a chave-mestra para todos os nossos problemas.
estamos mal. e eu não descanso enquanto não disser a toda a gente que estamos mal e porque é que estamos mal,
porque a arrábida é tão bonita, e lisboa tem uma luz que não existe em mais lado nenhum, e o porto significa tanto, e tudo e tudo e nunca amei tanto como em portugal .
deixemo-nos então de merdas, quem está lá em cima somos nós, e se continuarmos a achar que a felicidade está nos centros comerciais e nos carros novos
não vamos muito longe.
2 comments:
Assim é que é. Foda-se
...that's why we are drinking in a bar under the sea...
Um pouco de mote para um blog(ue)
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